AGROTÓXICOS

Ana Maria Primavesi

Agrotóxicos – Parte 1

Antigamente doenças nas culturas eram raras. Somente quando o tempo era muito desfavorável deu ferrugem no trigo. As culturas eram bem nutridas e os solos cuidados. Disso dependia a produção.

Os problemas começaram nos vinhedos. Hectares e hectares de terra somente plantados com videiras. Aí começaram a usar calda cúprica, a “calda bordalesa”, descoberta por viticultores na região de Bordeaux, na França. Depois começaram a usar uma calda com arsênico e cálcio e mais tarde juntaram ainda cobre.

Na medida em que as caldas ficaram mais tóxicas, pode se deduzir que as doenças nas parreiras ficaram mais resistentes. No fim do século passado já conseguiram intoxicar pessoas com estas uvas. Mas também nos pomares de maçã e laranja começavam a usar veneno. Sempre quando se plantam maiores áreas com uma única espécie aparecem problemas. Até o caju, silvestre na região amazônica e muito resistente, quando plantado em grandes pomares têm muitas pragas que o atacam.

No século passado, todos os defensivos eram minerais e até os herbicidas eram uma mistura muito tóxica de arsênico e chumbo. Mas nas hortas se preferia defensivos naturais como calda de fumo, de piretro ou de roteona. Mesmo assim, em 1919 nos EUA se baixava o “Food and Drug Acta”, uma lei que limitava a tolerância para resíduos tóxicos nos alimentos.

Veio a Segunda Guerra Mundial e com ela a procura por inseticidas para combater os piolhos-de-corpo que transmitiam uma espécie de tifo, mas também por causa de gases de combate.

Em 1874 um alemão tinha descoberto uma substância nova, mas que parecia de pouca utilidade porque o que eles procuravam nesta época eram remédios contra doenças, como a que controlava a doença do sono transmitida pela mosca Tse-Tse. Este alemão tinha trocado íons de hidrogênio por íons de cloro nos ciclos de benzeno, mas a nova substância não era o remédio que procurava. 

Em 1939, o suíço Paul Muller testava tudo que já foi criado em substâncias novas e descobriu o poderoso poder inseticida desta substância rejeitada. Foi descoberto o DDT (Dicloro-Difenil-Tricloretano), Ele ganhou por isso o prêmio Nobel. Pulverizaram com este pó soldados prisioneiros e refugiados aparentemente sem nenhum dano aos homens, evitando assim epidemias de tifo. Foi um enorme alívio!

Logo os plantadores de algodão se interessavam por este DDT e arrasavam com a lagarta rosada. E o avanço triunfal de DDT pela agricultura norte americana não conhecia barreiras. Acreditava-se piamente que o DDT somente atacava e matava insetos e que não afetava seres de sangue quente. 

Em 1949, a aviação governamental pulverizava vastas áreas agrícolas passando por cima de tudo: campos, aldeias, pastos com gado, lagos e rios. Neste ínterim, se tinham desenvolvido outros organoclorados, como se chamam essas substâncias, cujo núcleo é um carbono, como o Dieldrin, Aldrin, Endrin e outros, cada vez mais tóxicos.

Mas começaram a aparecer sintomas nunca vistos. Morriam as borboletas, como a maioria dos insetos, morriam pequenos animais, morriam caçadores com suas famílias inteiras. Apareciam sintomas estranhos nas populações que usavam o mesmo poço, morriam peixes, morriam bebês que recebiam suco de cenoura…Pouco a pouco se ligava estas ocorrências estranhas aos organoclorados. 

Pesquisavam as cenouras e verificaram que o Dieldrin pulverizado tinha desaparecido. Mas os bebês continuavam morrendo. E agora as análises mostravam que o Dieldrin tinha se transformado em Aldrin, substância mais tóxica ainda.

E os caçadores de perdizes revelaram-se vítimas de DDT que tinha penetrado nas minhocas. Estas foram comidas pelas perdizes, acumulando DDT em seus corpos. Os caçadores que agora comiam estas avesmorriam intoxicados. E as mulheres gordas que fizeram regime para emagrecer, de repente mostravam estranhos sintomas de intoxicação. O DDT acumulado em seus tecidos adiposos foi mobilizado, matando-as.

Agora começaram a “caçar” o DDT. Mas nos solos tinha sumido. Que alívio! Porém, agora aparecia na água, nos poços, nas fontes, nos rios. A água era tóxica. E muitos se lembravam do apocalipse de São João que predizia que nos últimos tempos os poços e fontes iriam ser venenosos. Ninguém podia imaginar como isto poderia acontecer. Mas já aconteceu!

Pouco a pouco, o medo se apoderou dos povos. O lucro, ainda subvencionado do agricultor, valia a saúde do povo inteiro? E quando a bióloga Rachel Carson em 1962 publicou seu livro “Silent Spring” (Primavera Silenciosa), a reação do povo era tão violenta que o presidente proibiu o DDT para os EUA, seguido por muitos países do Primeiro Mundo. Mas agora as fábricas vendiam seus estoques consideráveis para os países do Terceiro Mundo, como o Brasil. E pior ainda, não podiam proibir a produção de DDT e BHC os países tropicais porque o usavam rotineiramente para o combate do mosquito transmissor da malária.

Hoje se sabe que o DDT permanece durante 25 anos no solo e mesmo agricultores orgânicos têm seus alimentos produzidos contaminados por DDT, que não saiu ainda do solo. Os organoclorados continuam a ser usados nos herbicidas, e também são bastante resistentes no solo. 


Ana Maria Primavesi

"Temos de morrer intoxicados para não morrermos de fome?"

Agrotóxicos – Parte 2

Quando, após a última Guerra, as tropas aliadas vasculharam a Alemanha por segredos militares, encontraram em grutas nos Alpes substâncias organofosforadas que deveriam servir como gases venenosos no combate mas que eram tão venenosos, que mesmo os nazistas tinham receio de usá-las, ou no mínimo tinham medo de matar também seus soldados se, por exemplo, o vento virasse.

Como essas substâncias tinham um efeito inseticida mais fulminante do que os organoclorados e eram menos persistentes, logo apareciam no mercado com os nomes de Paratio, Malation, Dipterex e semelhantes. Mas estes não fulminaram somente insetos, mas também homens. Um bico de pulverizador caído num tambor com Malation matava em minutos o trabalhador que o recuperou, molhando sua mão com o veneno. E o efeito dos organofosforados percorre caminhos ainda pouco conhecidos.

Assim, a epidemia da “vaca louca” na Inglaterra, que se atribuía primeiro a um vírus desconhecido, começou a tornar-se misteriosa quando mesmo temperaturas elevadas não conseguiram destruí-la. O pânico se apoderou dos ingleses. Já começavam a matar rebanhos inteiros onde esta doença apareceu, amargurados pelos risos dos agricultores orgânicos pois em suas vacas a doença nunca apareceu. Por que o vírus não atacou também as vacas dos orgânicos?

Pesquisaram febrilmente porque a economia inglesa sofria um golpe horrível com o boicote de sua carne porque a doença era transmitida ao homem. E depois descobriram, o que tinha um efeito bomba: em vacas com alta produção de leite, sob stress permanente, os organofosforados usados contra parasitas do gado destruíram a enzima colinesterase, que tinha a tarefa de destruir a acetilcolina, necessária para transmitir impulsos nervosos.

Assim, os impulsos não paravam e os animais foram tomados por uma tremedeira. Pouco a pouco o excesso de acetilcolina destruiu a proteção dos nervos e até a massa cinzenta do cérebro. E quem comia a carne desta vaca recebeu o organofosforado, que em pessoas estressadas tinha o mesmo efeito.

O pior é que hoje já existem umas 30.000 fórmulas diferentes ou misturas de fórmulas de inseticidas que não exterminaram os insetos. Os insetos se tornaram resistentes e os venenos para seu combate são cada vez mais tóxicos. Hoje já se diz que a última batalha seria entre homens e insetos e que os insetos ganharão, disso não há dúvidas. Mas é necessário chegar a esse ponto?

Os insetos são “programados” pela natureza por meio de suas enzimas, podendo comer somente uma única determinada substância a qual essa enzima digere. Todas as outras estão fora de seu alcance. A grande pergunta é: por que as plantas “oferecem” as substâncias que servem para insetos? Por que os insetos parasitas aumentam tão assustadoramente de número?

Insetos que nunca eram perigosos agora atacam e aniquilam lavouras inteiras. De onde vem estes parasitas? Ou serão eles parasitas porque as plantas as convidam? E por que as planta os convidam? Será que a atual tecnologia agrícola está errada? O que está errado? E as culturas continuam tomando banhos de veneno. A soja até 18 vezes, o algodão até 25 vezes, a maçã até 72 vezes.

Os herbicidas cada vez mais tóxicos infestam os solos. Nos EUA já é costume plantar durante 4 anos e abandonar o campo durante outros 4, no que o governo paga uma indenização. Já existem as variedades “herbicida tolerant” (HT) que são especialmente criadas para tolerar um herbicida. Somente elas o toleram, todas as outras morrem deste herbicida. Isso obriga as pessoas a plantar sempre a mesma variedade no mesmo campo, o que cria mais pragas. Necessitam-se mais defensivos, mais tóxicos, porque as plantas são cada vez mais fracas e suscetíveis. E finalmente têm-se de abandonar o campo porque não cresce mais nada.

Dizem que anualmente 500.000 pessoas morrem ou se tornam inválidas pelo resto da vida pela contaminação por agrotóxicos. As terras são destruídas, o meio ambiente é destruído, a saúde da população humana é seriamente afetada.

Temos de morrer intoxicados para não morrermos de fome? Dizem que é a única maneira de sobreviver. Mas nas terras destruídas não penetra mais a chuva e os rios e fontes secam. Falta água em nosso planeta. Sem água alguém consegue viver? Sem saúde se consegue viver feliz?

FONTE:

https://anamariaprimavesi.com.br/2019/06/19/agrotoxicos-parte-1/

https://anamariaprimavesi.com.br/2019/06/19/agrotoxicos-parte-2/











ANA PRIMAVESI